sábado, 15 de setembro de 2012

A cidade dos deuses

Como na Grécia classica, os homens projectaram aqui, na Penha de Guimarães, a cidade ideal. A acrópole, antes de ser a cidade dos deuses, foi a cidade da filosofia, onde Platão e Aristóteles discutiram a forma de governo, os limites e físicos e demográficos e as normas da utopia urbana.
A Penha foi uma invenção de finais do século XIX e XX. Parece ter começado por ser uma cidade onde as classes populares encontram a tranquilidade, a sociabilidade e o reconhecimento entre iguais que a cidade burguesa e industrial lhe não reconhecia. Depois, pouco a pouco, a matriz religiosa ocupou o território e procurou dotá-lo de marcas perenes do divino. Hoje, são duas culturas que se cruzam ali, por vezes conflituantes, mas sem se anularem. Aquele é agora lugar de peregrinação e de lazer, santuário e marca lítica ancestral, local de celebração litúrgica e celebração da convivência entre gerações, entre estratos sociais e entre quem ficou, quem partiu e quem regressa uma vez por ano.
No Domingo passado, dia da peregrinação anual em honra de N.ª Senhora do Carmo, da Penha, o senhor Arcebispo Primaz de Braga apelou ao silêncio, como resposta da Igreja ao repto da sociedade. O silêncio sim, mas instrumental, diria eu, porque o silencio é uma condição para melhor escutar. Na cidade do homens luta-se, cria-se, reivindica-se, ama-se, há conflito, construção, dor, sofrimento e alegria. Lá em cima, na cidade dos deuses, é preciso ouvir para melhor decidir, perceber para melhor reformar. Uma vez por ano, na cidade dos deuses abençoa-se a cidade do homens. E no resto do tempo? É preciso descer. É preciso mergulhar na cidade dos homens. Fazer parte dela.






2 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Entre deuses e homens: restam cidades.

Jacinta disse...

Erguer a cidade dos homens até à montanha olímpica dos deuses foi o "trabalho" dos heróis, às vezes, bem sucedido. Há, de facto, cidades em que os homens convivem com a divindade.

O movimento em sentido inverso coube aos profetas, os da palavra e os do grafismo. Mas os deuses raramente perdoam essa ousadia.