quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O perfume

Mas um belo dia, dois meses decorridos sobre esta ligação, ela foi ter com ele e não sentiu o mínimo desejo quando ele a estreitou. Parecia-lhe outro homem. De pé, em frente dele, deu-se conta da sua elegância e também da sua vulgaridade. Era afinal igual a tantos outros franceses bem vestidos, daqueles que se vêem a toda a hora nos Campos Elísios, nas estreias, nas corridas.
O que é que, a seus olhos, mudara? Porque já não se sentia intoxicada como costumava sentir-se ao pé dele? Havia agora nele algo de normal. Algo que o tornava igual a outro homem. Algo que o tornava diferente de um árabe. O seu sorriso era menos fulgurante, a voz menos colorida. Nisto, agarrou-se a ele, cheirou-lhe o cabelo e gritou:
- O perfume! Não puseste o perfume!
- Acabou-se – respondeu-lhe o francês-árabe. – E não vou conseguir arranjar mais.

Anaïs Nin, Delta de Vénus. Cascais, Editora Bico de Pena, 2006. p. 239.

Nota
A publicação deste pequeno excerto do conto de Anaïs decorre ainda da referência atrás feita a uma longa conversa com o Prof. Borges de Macedo. Foi este meu antigo professor que lembrou o conto e a autora - que considerou injustamente menorizada como escritora - para sublinhar o papel decisivo de factores extrínsecos na configuração de uma relação.
Outra visão do tema surge em Süskind, no conhecido "Perfume, história de um assassino", para já não falar no filme que Al Pacino celebrizou, "Perfume de Mulher".

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