segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Memórias: Castelo Branco, 1970/71 (6)

Antes de sair de Castelo Branco, resolvi despedir-me do Reitor. Mau grado a frieza quase hostil com que me recebera e o incidente gerado com a tentativa de forçar todo o corpo docente a comparecer perante o Presidente da República, as nossas relações tinham-se amenizado no final do ano. Foi uma despedida cordial, em que trocámos até algumas graças. Quando me preparava para sair do seu gabinete, interpelou-me: - tem perspectivas de colocação em Lisboa? -  Não estou certo, respondi. - Terá sempre aqui um lugar, se as coisas por qualquer motivo não lhe correrem bem, disse então. Fiquei surpreendido e agradado.
Mas eu queria muito voltar a Lisboa. A distancia a que ficava de Castelo Branco era terrível. Saindo desta cidade no Sábado por volta das 12h30 (tinha aulas ao Sábado de manhã), chegava a Santa Apolónia ao fim da tarde. Regressava no dia seguinte, Domingo, saindo de Santa Apolónia por volta das 21 e chegando a Castelo Branco já de madrugada. Duas viagens longas e incómodas, e de duração sempre imprevisível, que deixavam entre si pouco mais de 24 horas. Tempo insuficiente para manter relacionamentos intelectuais e afectivos, viver a cidade de que gostava, ir às livrarias e aos cafés, ao teatro, ao cinema, a exposições, deambular pelas ruas. Tinha ainda que concluir o 4º ano do Curso, sem o que não me poderia inscrever no seminário que dava acesso à elaboração da tese e conclusão da licenciatura, daí resultando mais constrangimento aos meus tempos livres.
Com a criação dos bacharelatos decidida em 1968 pelo Ministro José Hermano Saraiva, todos os que, como, eu tinham concluído o 2º ano do Curso, ficaram na insólita situação de terem já efectuado cadeiras que passaram a pertencer aos planos de estudos do 4º ano. Assim sendo, eu pudera inscrever-me em 1970/1971 em salvo erro apenas duas cadeiras, Numismática e Paleografia e Diplomática, as quais frequentei no regime de voluntário, uma vez que não podia assistir às aulas. Devo dizer que a inscrição era fundamental também por um motivo crucial: obter o adiamento militar concedido a quem provasse encontrar-se a frequentar um curso superior nos cinco anos posteriores ao ano que perfizera 20 anos.
Os meses em que permaneci em Castelo Branco foram, nestas condições, devastadores para o meu círculo de amigos e de solidariedades pessoais e intelectuais. A distância interrompeu abruptamente relações que não mais foram reatadas, cortou laços e desvaneceu memórias intensas e fortes de camaradagem e partilha.
Em Lisboa, o mês de Agosto de 1971, pareceu-me mais deserto do que nunca. Ocupado em equipar a casa que com L. tinha alugado, não fui sequer às Caldas passar mais do que um fugaz fim de semana. Sem saber se e quando teria colocação, a gestão do pequeno pecúlio amealhado em Castelo Branco impunha uma severa restrição de gastos quotidianos. Voltei às traduções, com a ajuda do António Reis que procurei no Barreiro. Mas, curiosamente, a hipótese do jornalismo que tanto me atraíra um ano antes, nem sequer se colocou. A experiência de Castelo Branco fez-me reconhecer que ensinar era verdadeiramente o que eu queria fazer. Esperaria por isso que as colocações me ditassem onde o poderia fazer. Em Setembro, recebi a resposta: teria um horário na Escola Preparatória Manuel da Maia, em Campo de Ourique. Apresentei-me e comecei de imediato a preparar e dar aulas. E uma semana depois, tal como em Dezembro do ano anterior, chegou-me outro horário. Desta vez, no Liceu do Padre António Vieira, em Alvalade.

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