segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Há que prestar atenção

Confesso, confiteor, existe um certo snobismo perante os uivos quase animais não só do rap, mas do heavy metal, do acid rock, que são o grande contra-ataque do ruído contar os privilégios do silêncio, contra os privilégios da cortesia, que eram os privilégios de uma classe dominante e de uma determinada elite burguesa. Nada se tornou mais luxuoso hoje do que o silêncio: paga-se a preço de ouro. No apartamento moderno não existe, na rua não existe...
- Como também não existe dentro de uma sala de aula...
Ah! poder ser silencioso... Diz-se  que agora cerca de 80% dos adolescentes não conseguem ler um texto em silêncio, sem terem um fundo electrónico da rádio, da televisão, etc. É uma coisa pavorosa, porque o cérebro não pode absorver o estímulo simultâneo do ruído e do sentido. Este ruído é um grito de guerra. Há que prestar atenção. O simbolismo de uma grande concerto de rock, de uma raverave quer dizer delírio em inglês – o desencadear da histeria do ruído, é o contra-ataque contra os privilégios que tivemos e que excluíam centenas de milhões de seres humanos.
É muito interessante, porque isso atordoa algumas possibilidades de comunicação humana, mas dá, creio, o sentido de uma comunidade dinâmica, onde a identidade  se tornou colectiva. Imagino que as cerimónias que acompanharam a tragédia antiga fossem, em certos aspectos, mais próximas de uma rave ou de uma noite de rock do que o teatro de Versalhes de Racine.

George Steiner.
Georges Steiner, Cécile Ladjali, Elogio da Transmissão. O Professor e o Aluno. Lisboa, D. Quixote, 2005. p. 65-66

1 comentário:

Cláudia disse...

Confesso no pedido "desculpa", mas, o texto "Há que prestar atenção", aplica-se ao Sr. George Steiner, imaginando aspectos das cerimônias em tragédias antigas, e, sons...
Talvez, repense uma delas ao nada, comparável das: "Desabrigadas Águas".

Pontavente o desejo,
dos oceanos cruzar.
Fortuna, desta rota,
não pára de soprar.

Ardentia das paixões,
içadas pelo tempo.
Rangem os garlindéis,
sinfonias e lamentos.

Vagas revoltosas,
bramim o alento.
Partituras mastreadas,
lufam pensamentos.

Naus, salgando lágrimas,
despejadas ao relento.
Toando, ponto à ponto,
com melodias do vento.

O encastelado aos gemidos,
preces, vertidas no olhar.
Tantas vozes, sucumbidas,
nas entranhas deste mar.

Almas! De quantas despedidas,
ainda, chora Portugal...
Repousam, adormecidas,
neste leito de sal.