segunda-feira, 7 de junho de 2010

Culinárias

Interesso-me pelo tema da história dos alimentos e da alimentação, uma forma de aproximação à história da sociedade e da cultura. Aliás a partilha de alimentos, na forma como são confeccionados, nos rituais que regem a refeição, constituem o teste porventura mais definitivo da capacidade de aceitar o outro, com a sua história e a sua natureza. Sabemos como passa pela mesa uma das maiores dificuldades de integração de alguém numa sociedade de acolhimento. O meu amigo José Manuel Sobral que estudou a reprodução social numa aldeia beirã, contava como as longas conversas travadas à mesa da taberna, bebendo um vinho que o seu estômago teimava em considerar inaceitável, só foi possível graças à cumplicidade do Guronsan, um instrumento de trabalho imprescindível de qualquer antropólogo em trabalho de campo.
Cresci num meio onde a variedade e sofisticação da alimentação eram reduzidíssimas. O mundo camponês oestino nos anos 50 era demasiado pobre e dependente dos alimentos que podia cultivar em pequenas courelas junto à sua habitação para poder desenvolver uma culinária requintada. Os produtos frescos do mar chegavam em alguns Domingos, depois da missa, e limitavam-se a sardinhas, carapaus e chicharro. Nem toda a gente podia matar um porco, que fornecia carne, gordura, enchidos para uma família para todo o ano. A carne de vaca estava praticamente ausente da dieta camponesa. Comer galinha era privilégio de doentes e o coelho, invariavelmente com arroz, um alimento de dias de festa. A alimentação diária básica girava em torno das couves, das batatas, do feijão, da massa e do pão, a que se podia juntar uma sardinha de salmoura ou um bocado de toucinho de porco. Por isso, quando alguém oferecia ao visitante parte da sua refeição habitual, a melhor compensação que poderia esperar obter era uma expressão de agrado irreticente pela comida e respectiva confecção. Elogiar a comida que nos oferecem, apreciar a forma como foi confeccionada é uma prova de respeito pessoal e social por quem a fez.
A experiência diz-me porém que é difícil vencer a resistência perante a comida que não se conforma com os nossos padrões habituais. O paladar, o olfacto, a vista são muito segregacionistas e o estômago não é tolerante nem aberto à inovação. Pelo contrario, desconfia e recusa mais facilmente do que se entrega, e não valoriza a diferença.
A único antídoto ao conservadorismo excludente do nosso paladar é a curiosidade pelas culturas com que estabelecemos contacto, o gosto pelo conhecimentos dos ingredientes e modos de confecção e o respeito pelo trabalho de concepção e execução dos cozinheiros. Se se tratar de uma culinária tradicional e popular, uma boa inspiração, nesse caso, é pensar nos pratos que as nossas mães e avós cozinhavam para dar de comer aos seus ranchos de descendentes. Esta memoria pode ajudar-nos a sermos mais entusiásticos com comidas simples e pouco sofisticadas, mas preocupadas com a identidade da origem dos seus componentes.

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