terça-feira, 25 de novembro de 2008

Porto (sem data*)

Café do Molhe

Perguntavas-me
(ou talvez não tenhas sido
tu, mas só a ti naquele tempo eu ouvia)

porquê a poesia,
e não outra coisa qualquer:
a filosofia, o futebol, alguma mulher?
Eu não sabia

que a resposta estava
numa certa estrofe de
um certo poema de Frei Luis de Léon que Poe

(acho que era Poe)
conhecia de cor,
em castelhano e tudo.
Porém se o soubesse

de pouco me teria
então servido, ou de nada.
Porque estavas inclinada
de um modo tão perfeito

sobre a mesa
e o meu coração batia
tão infundadamente no teu peito
sob a tua blusa acesa

que tudo o que soubesse não saberia.
Hoje sei: escrevo
contra aquilo de que me lembro,
essa tarde parada, por exemplo.

Manuel António Pina, Poesia Reunida, Lisboa, Assirio & Alvim, *2001

1 comentário:

Anónimo disse...

Já uma vez soube que o poeta escreve a vida em vez de a viver. Aprendi agora que escreve contra aquilo de que se lembra que viveu. Como quem bebe para esquecer? A memória e o esquecimento, o eterno mesmo...
-Isabel X -